Qual a sua busca?

As lentes da intencionalidade para a construção e desfrute de uma vida mais plena

Marcelo Tempesta, PhD

10/27/202511 min read

Sabedoria executável

O aprimoramento do pensamento crítico nos torna mais perspicazes e amplia a nossa visão do mundo e das coisas como um todo. Nos deixa com um foco mais intencionado, nos habilitando assim a extrair contextos e percepções que antes sequer tínhamos notado ou dado o devido valor e significado. Como um farol que corta a névoa, revelando caminhos e cenários antes invisíveis ou subestimados.

Sócrates, o pai da filosofia ocidental, dedicou sua vida a esse exercício ao afirmar: "Uma vida não examinada não vale a pena ser vivida." Ele não pregava o exame superficial, mas um questionamento profundo e contínuo – o método socrático de interrogar suposições, revelando contradições e aproximando-nos da verdade. Em um mundo de informações torrenciais, essa prática nos impede de aceitar cegamente narrativas prontas, convidando-nos a desconstruir crenças limitantes para reconstruir uma realidade mais autêntica. Ela nos imuniza contra o superficial, convidando a uma gestão intencional de significados que transforma o caos em clareza.

O conhecimento para a melhoria de qualquer coisa que desejamos está ao nosso redor, disponível a todos, mas nem sempre visível - Tudo depende das lentes que cada um escolhe usar... As perguntas que então faço são:

1) o quanto o nosso grau de pensamento crítico está nos permitindo enxergar, conectar e desfrutar de toda esta riqueza de conteúdo?

2) O quanto ele está nos permitindo aproveitar de toda esta abundância, a ponto do conhecimento realmente nos servir e ser transformado em ação? Nosso pensamento crítico está contribuindo para este feito ou nos limitando, nos privando - impedindo que isso aconteça?

3) O quão conectados às diferentes fontes de conhecimento nós estamos e quão genuinamente abertos e receptivos nós estamos aos ensinamentos, ao aprendizado?

4) E claro, qual a qualidade de tudo com que estamos nos conectando?

Platão, em sua Alegoria da Caverna, ilustra isso com maestria: onde prisioneiros acorrentados veem apenas sombras projetadas na parede e consideram apenas estas projeções como realidade – como se não existisse mais nada além destas projeções que eles enxergam. Ao se libertar, um deles descobre um mundo iluminado completamente diferente do que ele enxergava, imaginava, acreditava, tomava como verdade... Mas, ao retornar e compartilhar com os outros sua visão do que havia descoberto - é rejeitado.

Em outras palavras, nossas "lentes" podem atuar como correntes mentais ou como fonte propulsora de transformações. Por isso dizemos que o desenvolvimento de um melhor pensamento crítico é como uma chave que nos liberta e empodera, nos permite identificar e conectar pontos imperceptíveis até então, transformando assim o nosso cotidiano em fonte de sabedoria e poder de execução.

Provoco esta reflexão devido à importância de tudo isso para a definição da busca de cada um, assim como da paixão pela jornada e seus processos. Estou me referindo a tríade do Significado/Conexão/Atitude que eu tanto promovo e enfatizo – um dos principais pilares da Tempestando – o poder da gestão de significados.

O poder da intencionalidade de nossas lentes

O conhecimento pode vir das mais variadas fontes. Inclusive, para olhares mais observadores e perceptivos - de acordo com as lentes que estamos usando - o aprendizado pode vir de lugares inesperados e inusitados. Mais um benefício do aprimoramento do pensamento crítico: ele nos deixa mais perspicazes, com um olhar mais treinado, preparado.

Epicteto, o escravo estoico que se tornou filósofo, ensinava que "não são as coisas que nos perturbam, mas nossas opiniões sobre elas." Assim como reforçava Marco Aurélio, ao dizer “se você está angustiado por algo externo, a dor não se deve à coisa em si, mas à sua avaliação dela; e você tem o poder de revogar isso a qualquer momento.” Essa distinção entre eventos e interpretações é um dos principais pontos do pensamento crítico – nos permite extrair lições e fazer uma melhor gestão emocional e comportamental a partir de acontecimentos das mais variadas naturezas, em vez de reagir impulsivamente, de forma automática e padronizada.

Dito isso, uma fonte de aprendizado que gosto muito são os filmes, tanto que vivo recomendando, principalmente quando o assunto é estruturação de princípios e valores. Muitos filmes são excelentes ferramentas para construção de caráteres bons e do bem, repletos de ensinamentos para a vida como um todo. Com um olhar intencionado, os benefícios vão muito além do entretenimento, da diversão e do passatempo.

Neste contexto, compartilho uma fala da personagem Éowyn, no filme O Senhor dos Anéis, em resposta à pergunta: O que você teme!? Éowyn responde que seu temor é "uma jaula! Ficar atrás de grades até que o hábito e a velhice as aceitem. E a oportunidade de grandes feitos esteja além da lembrança e desejo."

Pessoal! Percebam o quão forte e significativo é isso, especialmente para quem está na busca por algo a mais... Essa jaula não é física, mas mental – de hábitos automáticos e medos que nos aprisionam. Byung-Chul Han, em Sociedade do Desempenho, alerta para a "jaula invisível" da autoexploração moderna, onde nos forçamos a performar sem pausas, perdendo o senso de propósito, nos levando a um contínuo estresse e esgotamento. O pensamento crítico nos desperta, reacendendo o verdadeiro desejo interno por feitos que transcendam o morno, a apatia, o mais ou menos. Pois, lá no íntimo, sentimos que a vida pode ser muito mais.

Apenas a autenticidade ecoa pela eternidade

Esta resposta de Éowyn reflete um medo profundo da estagnação, da perda de liberdade e da incapacidade de realizar grandes feitos devido ao conformismo de não manifestarmos nosso verdadeiro potencial e ao peso do tempo, quando desperdiçado. Ela inspira a busca pela liberdade, alimenta o inconformismo com a mediocridade e desperta a urgência de viver uma vida mais plena antes que seja tarde. Se rebela contra a melancolia de uma vida confinada, onde o desejo de grandes feitos e histórias vai desaparecendo no dia a dia de uma rotina estruturada sem significados de qualidade. Mostra a aversão de se contentar com uma vida monótona e sem propósito. Ecoa como uma forma de rebelião contra o absurdo que é desperdiçar o tempo e o potencial que nos é dado, sem servir por um bem maior.

Filósofos e grandes pensadores, ao longo dos séculos, ecoaram esse mesmo temor, oferecendo reflexões que nos inspiram a romper as grades e perseguir uma existência mais autêntica. E autenticidade tem a ver com o jeito único de cada pessoa ser, agir, pensar e sentir... Tem a ver com mergulhar no oceano de si mesmo e se aprofundar na compreensão de seus mecanismos de funcionamento – na sua identidade, e tornar-se quem você verdadeiramente é. E é isso que um melhor pensamento crítico faz. Citando Lao Tsé: “Aquele que conhece os outros é sábio: aquele que conhece a si mesmo é iluminado.”

Oscar Wilde nos provoca ao dizer que "viver é a coisa mais rara, a maioria das pessoas apenas existem." Inclusive, uma das definições de vida é a forma como experienciamos o tempo. Marco Aurélio, em suas Meditações, via o tempo como um recurso finito, a ser investido em virtude e ação intencional – não em distrações vazias. E, como Gandalf diz no filme O Senhor dos Anéis: "Tudo o que temos que decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado." Pessoal, o tempo é igual para todos, o que você está escolhendo fazer com o seu? Este é mais um óbvio transformador de vidas que a maioria escolhe ignorar, infelizmente.

A virtude fundamental

Humildade... Temos que ter humildade para sermos eternos aprendizes. Humildade para evoluir nossos pensamentos em um mundo de crescentes e incessantes mudanças... Humildade para evoluir nossos pensamentos para lidarmos e reagirmos melhor frente aos desafios que se intensificam a cada dia. Humildade para evoluir nossos pensamentos para termos mais atitude e entrarmos em ação, em vez de nos omitirmos e paralisarmos. Humildade para nos livrar de estados prejudiciais do ego e orgulho, dos comportamentos de vítima e reféns das circunstâncias - para assumirmos cada vez mais o controle como autores de nossa própria realidade.

Sêneca, em suas Cartas a Lucílio, afirmava: "Enquanto adiamos, a vida passa." A humildade estoica não é submissão, mas reconhecimento de que o controle está no interno – nas respostas que damos às circunstâncias. Adam Grant, em Pense de Novo, defende o "pensamento de repensar": questionar crenças fixas para abraçar a incerteza como oportunidade de crescimento. Essa humildade nos liberta do ego defensivo, abrindo espaço para ação autêntica.

Toda evolução verdadeira começa pela humildade. Palavra com definições que muitas vezes nos confundem, são mal compreendidas e até mesmo distorcidas. Ou seja, a mesma palavra pode resultar em percepções diferentes de acordo com o significado que cada pessoa escolher adotar. Mas enfim, de um jeito ou de outro, o importante é termos humildade para sermos eternos aprendizes... Pois é aprendendo e colocando o conhecimento em prática que nos tornamos melhores versões de nós mesmos. Por isso gosto de pensar que a humildade fortalece a nobreza do espírito...

Citando André Comte-Sponville: "Humildade não é a depreciação de si. Não é a ignorância do que nós somos, mas, ao contrário, é o reconhecimento de tudo o que não somos." Essa visão nos convida a uma humildade ativa: saber nossos limites para expandi-los. Napoleon Hill, em Pense e Enriqueça, enfatiza o "desejo ardente" como combustível, mas alerta que sem humildade para aprender com mentores e falhas, ele se apaga.

Pedro Calabrez, neurocientista brasileiro, em suas palestras sobre neuroplasticidade, explica como o cérebro se reorganiza com prática deliberada – a humildade nos mantém em modo de aprendizado contínuo, forjando novas conexões sinápticas para versões cada vez mais antifrágil de nós mesmos. Portanto, independente de qual for o estado em que cada um de nós possa se encontrar neste momento - sempre podemos ser, fazer, ter e sentir mais do que acreditamos ser possível.

Como você tem se expressado perante a vida?

O pensamento crítico está na origem de tudo e impacta qualquer aspecto relacionado à vida de cada ser humano, individualmente ou em sociedade. Pensamento crítico é um repertório único que cada pessoa tem para se expressar perante a vida e fazer a vida se manifestar a partir de si. Como dizia Chaplin: "A vida é muito bela para ser insignificante." Quando aprimoramos nosso pensamento crítico, enxergamos a gota em que nós estamos e o desejo por desbravar oceanos se inflama. E nós podemos tanto alimentar esta chama em nós mesmos, quanto espalhá-la para que outros despertem e se inspirem para suas respectivas buscas também – assim como nós.

Bob Proctor, inspirado na lei da atração, ensinava: "Você é o criador da sua realidade através dos pensamentos que entretém." Assim como Buda, ao enfatizar que “A mente é tudo. O que você pensa, você se torna.” E uma vez que tudo começa na mente - o baixo grau de pensamento crítico se torna o principal motivo que nos limita de construir e experienciar uma vida muito mais plena. Einstein foi um dos muitos que disseram que para ir além é preciso pensar além, elevar nosso estado de consciência para nos livrarmos dos limites condicionados pela nossa própria mente.

Uma mentalidade fixa, com repertório cognitivo desatualizado, obsoleto, nos deixa despreparados para lidar com as mudanças cada vez mais desafiadoras do mundo como um todo. Essa rigidez mental impacta negativamente a nossa vida e muitas vezes sequer percebemos. Ela nos torna prisioneiros de nós mesmos, suga a energia de qualquer desejo - e sem desejo não há buscas... E quando nada se busca, nada se encontra.

Um maior grau de pensamento crítico nos transforma em uma versão mais capaz de executar nossos potenciais, de manifestar o que aprendemos com cada vez mais qualidade... Nos destrava, nos livra das amarras que nos impede de fazer o que sabemos que tem que ser feito. E quando não sabemos - ele ilumina caminhos. E tudo começa com um primeiro passo, o de se conectar com este processo.

Qual é a sua busca!?

Qual o elo que realmente te conecta fortemente com alguma coisa, com alguma jornada significativa!? Como sempre gosto de enfatizar, filmes podem ser grandes fontes de conhecimento para aqueles com o olhar mais preparado, com as lentes mais afiadas e intencionadas... Portanto, aproveito para compartilhar uma fala de Sam direcionada a Frodo, em um momento de escuridão, desesperança e falta de vitalidade, no filme O Senhor dos Anéis:

"É como nas grandes histórias. As realmente importantes. Aquelas cheias de perigo e escuridão que às vezes a gente nem queria saber o final. Por que como o fim poderia ser feliz? Como o mundo poderia voltar a ser o que sempre foi quando tanta coisa ruim estava acontecendo? Mas no final é algo que passará, essa sombra, até mesmo a escuridão acabará. Um novo dia virá. E quando o sol nascer, ele brilhará ainda mais. Essas eram as histórias que ficavam com a gente, que significavam alguma coisa, mesmo quando eu era pequeno demais para entender por quê. Mas eu acho que entendo. Agora eu já sei. As pessoas daquelas histórias tiveram muitas chances para desistir, mas não desistiram. Elas foram em frente porque estavam se agarrando a alguma coisa... Que há algo de bom neste mundo... Algo pelo qual vale a pena lutar..."

Viktor Frankl, sobrevivente do Holocausto e autor de Em Busca de Sentido, vibra em sintonia com o exposto anteriormente, ao dizer: “mesmo na escuridão, o sentido nos impulsiona.” O pensamento crítico nos ajuda a identificar esse "algo de bom", esse “sentido”, esse “significado” em meio a desafios, crises e caos. Ele nos permite estruturar arquiteturas de escolhas construtivas, produtivas e positivas, sustentando assim a diligência, perseverança e vitalidade. E tudo isso proporcionalmente ao seu grau de desenvolvimento.

O afiar de nossa mente deve ser constante!

Como diz o mestre Shifu, do desenho Kung Fu Panda: "Se você só fizer o que sabe, nunca será nada além do que já é." Essa frase captura a essência da zona de conforto, conformismo, comodismo - o pensamento crítico nos empurra para fora dela – rumo ao desconforto construtivo, produtivo e positivo, onde o crescimento floresce – ele nos provoca, nos inquieta, nos incomoda ao ponto do inconformismo se transformar em inspiração e poder de execução.

Mencionei que filmes, e isso inclui seriados, desenhos e afins, são excelentes fontes de aprendizado. Claro que sempre cuidando e levando em consideração a qualidade deles, pois o conteúdo transmitido pode influenciar tanto de forma positiva (para o bem), quanto de forma negativa (para o mal). Um motivo a mais para melhorar o nosso grau de pensamento crítico e ter um melhor discernimento para fazer esta distinção com melhor qualidade.

Além de melhorarmos nossos padrões para tomada de decisões, escolhas e condutas, ao elevarmos o nosso grau de pensamento crítico, passamos a aproveitar com mais qualidade as experiências e momentos proporcionados pelas escolhas que fazemos – isso é qualidade de presença! Em outras palavras, valorizamos e saboreamos cada vez melhor os momentos e experiências que nossas escolhas nos proporcionam. Exercemos cada vez melhor o poder da gratidão – e tudo isso é qualidade do desfrute.

Aristóteles enxergava a virtude como um hábito – compartilhava a visão de que escolhas repetidas moldam o caráter, lapida o ser humano. Por isso muitos dizem que os comportamentos frequentes de uma pessoa revelam suas verdadeiras virtudes (ou ausência delas). Kahneman complementa esta visão ao compartilhar a ideia de que sem questionamento e avaliação crítica de qualidade (sistema 2) reforçamos padrões ruins (automatismos maléficos); em contrapartida - com ela - escolhemos com gratidão e intencionalidade. Ou seja, escolhemos com um maior grau de consciência, sentido e significado.

Para finalizar, um ponto adicional - uma vez que aumentamos a nossa consciência sobre a importância de desenvolver um melhor pensamento crítico, pensamos muito mais em transmitir isso para pessoas que amamos e nos importamos, como por exemplo, nossos filhos, para uma melhor educação, construção de caráter, com princípios e valores bons e do bem. Mas, o que quero destacar neste momento é a jornada do herói, presente em qualquer boa história fictícia ou real. Joseph Campbell, em O Herói de Mil Faces, descreve esse arquétipo universal: o chamado à aventura, os testes, a transformação. Toda história digna existe uma busca por algo, e esta busca é bem definida. É ela quem nos desperta para ação, inflama nosso desejo e nos conecta mais fortemente com a jornada que nos tira da condição de apenas existir e nos leva para o verdadeiramente viver. Então se pergunte sempre, qual a sua busca!? Reflita, questione, aja – e veja o mundo se abrir em oceanos de possibilidades.

Marcelo Tempesta, PhD.